O uso de derivados da Cannabis (maconha) tem sido tema de grande interesse em virtude do seu potencial terapêutico medicinal, especialmente para doenças neurológicas e, dentre estas, a esclerose múltipla (EM). Recentemente, o uso do canabidiol (principal componente não psicoativo da planta) foi liberado para prescrição médica, tendo a ANVISA permitido a importação para vários casos, exigindo-se, para tanto, prescrição e laudo médicos e ainda termo de responsabilidade específico.
A utilização da maconha na forma inalada, por indivíduos saudáveis, está associado a efeitos deletérios, como pior desempenho cognitivo, seja de forma aguda ou crônica, afetando diferentes aspectos da memória, atenção e tomada de decisões. (1, 2) Tais alterações podem persistir por horas, dias, semanas ou mais, após o último uso. Desta forma, o que se discute é o uso de doses terapêuticas de seus principais componentes, ou seja, o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD), ou, ainda, de derivados canabinóides sintéticos, produzidos industrialmente.
A descoberta do sistema endocanabinóide
O interesse pelo assunto cresceu a partir da descoberta do THC como o principal componente psicoativo da maconha e da existência de receptores canabinóides no nosso sistema nervoso, que são estimulados também pelo próprio THC.
Paralelamente, a descoberta que possuímos nossos próprios canabinóides (chamados de endocanabinóides, os “primos” do THC e do CBD), levou à identificação deste sistema bastante complexo, chamado de “sistema endocanabinóide”, muito importante na regulação da dor, da memória, da espasticidade e do controle motor. Quando estimulado corretamente por quantidades fisiológicas destes canabinóides, trabalha a nosso favor, regulando positivamente tais funções.
Indicações de canabinóides na esclerose múltipla
Como mencionado nas recomendações feitas pela Academia Brasileira de Neurologia, alguns cuidados devem ser tomados quanto à indicação de canabinóides na forma oral na esclerose múltipla, pois seus efeitos adversos podem ser agravados em função das características da própria EM. Sintomas como comprometimento cognitivo, fadiga e alterações humor devem ser avaliados antes da indicação destas substâncias na EM, pois podem eventualmente até piorar com o uso dos canabinóides.
Importante salientar que existem produtos à base de canabinóides com diferentes composições e apresentações no mercado e, até o momento, apenas um deles foi testado na esclerose múltipla, com o nome de Sativex® (veja adiante).
Espasticidade
Sativex (nabiximols) é um preparado comercial já aprovado em diversos países para tratamento da espasticidade moderada a severa decorrente da esclerose múltipla, ou seja, para a dificuldade de locomoção devido às pernas “presas”, “pesadas”. É o primeiro medicamento legal à base de Cannabis do mundo, contém uma mistura de THC e CDB na proporção de 1:1, de uso exclusivamente oro-bucal na dose de máxima de até 12 puffs (pulverizações) ao dia. Cada pulverização de 100 microlitros contém 2,7 mg de THC e 2,5 mg de CBD.
No tratamento da espasticidade, os estudos com naxibimols (Sativex ®) demonstraram melhora nas escalas de auto-avaliação (quando os próprios pacientes se avaliaram) aplicadas após 1 mês e meio de uso da medicação. As doses são aumentadas gradativamente ao longo de 14 dias, até o máximo de 5 puffs de manhã e 7 à noite.
Após um ano de estudo, os resultados indicaram uma melhora também nas escalas objetivas de mensuração da espasticidade (ou seja, quando avaliada pelos médicos do estudo). Estes resultados sugerem que esta opção terapêutica pode vir a ser considerada nos pacientes com EM, embora faltem estudos de segurança com uso por longos períodos. (1) Sativex não deve ser usado em caso de alergia aos extratos de Cannabis ou a qualquer outro componente da fórmula, em mulheres que estejam amamentando e em pacientes que têm esquizofrenia, psicose ou outra doença psiquiátrica, ou têm familiares próximos com estes problemas.
Dor neuropática
Na dor neuropática ou central, os estudos foram realizados em períodos curtos, com eficácia variável. Os naxibimols, os preparados com THC/CBD e o extrato de Cannabis apresentaram resultados conflitantes, e embora não seja possível concluir de forma definitiva quanto à sua eficácia, os dados sugerem que esta pode ser uma opção terapêutica em pacientes que não responderam aos tratamentos convencionais.
Outras indicações
No tratamento dos tremores e da disfunção vesical, o uso de naxibimols ou de preparados orais de THC, CBD ou THC/CDB mostrou-se ineficaz, não havendo neste momento indicação para o seu uso no alívio deste sintoma.
Conclusão e perspectivas futuras
As expectativas em relação à novas terapias são enormes na comunidade de EM, e assim tem sido com relação aos derivados da Cannabis. As evidências de efeitos benéficos dos canabinóides em distúrbios do sistema nervoso carecem de estudos de longo prazo, com maior número de pacientes e eficácia medida por instrumentos objetivos.
Dito isto, converse com seu médico e decidam juntos pela importação ou não do canabidiol. Seu uso seria contemplado na falha dos tratamentos já consagrados ou quando os mesmos apresentam baixa eficácia. Já o uso da Cannabis na forma inalada deve ser desencorajada em vistas do exposto anteriormente.
Fonte: http://www.esclerosemultipla.com.br/2015/06/24/uso-de-derivados-da-cannabis-na-esclerose-multipla/