Muitas associações de pacientes devem estar se perguntando: e agora, como continuar com as iniciativas planejadas para este ano, no momento em que tudo está parado e todos os esforços e atenções estão direcionados para ações relacionadas ao coronavírus? O que fazer diante da incerteza da duração das medidas de isolamento social, dos impactos da pandemia sobre os tratamentos dos pacientes, sobre as decisões em andamento no governo, sobre a sociedade de forma geral? Que tipos de ações devem continuar? Que atividades são necessárias no contexto atual?
Aqui levanto algumas reflexões sobre as possibilidades de trabalho à distância para as associações de pacientes em um cenário de distanciamento social e redirecionamento das prioridades do governo. Embora o assunto esteja dividido em tópicos, há uma clara interconexão entre as ações.
Capacitação, educação e pesquisa
O trabalho remoto tem se mostrado uma possibilidade de para se engajar membros das organizações em capacitação e qualificação. Um artigo recente publicado pelo jornal New York Times discute que a crise do coronavírus é uma oportunidade para que todos aprendam como viver online e a usar as ferramentas digitais para criar conexões. Especialmente neste momento em que muitos conteúdos estão sendo disponibilizados, existem inúmeras possibilidades de cursos que devem ser aproveitados considerando as necessidades de aperfeiçoamento das associações. Com muitas informações circulando, é imprescindível que as associações filtrem aquelas mais relevantes e comuniquem aos pacientes assuntos de interesse aos mesmos, garantindo que eles tenham acesso a fontes confiáveis, especialmente em meio a tantas fake news.
Além disso, é possível iniciar pesquisas mesmo com o trabalho remoto. Com a vida digital mais ativa do que nunca, quem sabe este não seja o momento para engajar pacientes em pesquisas produzidas pela associação? A empresa de consultoria Abt Associates abordou recentemente em artigo as possibilidades de coletar, analisar e disseminar informações remotamente, por meio de pesquisas conduzidas por telefone, e grupos focais virtuais. Seja no trabalho presencial ou no virtual, é possível adaptar-se diante de situações inesperadas.
O que as associações de pacientes podem fazer:
· Oferecer informações que possam sanar dúvidas dos pacientes relacionadas aos seus tratamentos e aos efeitos do coronavírus associados a comorbidades específicas;
· Lançar ou unir-se a campanhas de combate às fake news, a exemplo da Fight the Fakes;
· Preparar conteúdos visuais informativos para os pacientes e demais públicos com os quais se relacione, filtrando informações relevantes de fontes confiáveis;
· Promover programas de capacitação online para seus representantes, visando a melhoria contínua do trabalho, em um momento em que deslocamentos físicos estão limitados e a oferta de cursos online está abundante;
· Engajar pacientes e públicos de interesse em pesquisas online e por telefone para assuntos relacionados ou não ao coronavírus.
Trabalho em rede
O trabalho em rede pode colaborar muito para o fortalecimento de ações e da voz dos pacientes em situações críticas. Por exemplo, aquelas associações com maior capacidade de mobilização podem atuar como central de informações, aconselhando seus pares e incentivando-os para ação. A NCD Alliance – entidade que agrega associações de pacientes de doenças crônicas – lançou um alerta de advocacy para as suas afiliadas, produzido especialmente para este momento. Sua ação está pautada não no endereçamento de demandas para o poder público (ou policy advocacy), mas na comunicação direta com afiliadas e pacientes, oferecendo informações para ajudá-los a sanar suas dúvidas sobre como lidar com este momento (case advocacy), além da disponibilização de recursos e compartilhamento de boas práticas com sua rede durante a pandemia. Ao mesmo tempo, a capilaridade de associações locais pode auxiliar muito a compreender as dificuldades enfrentadas em distintas realidades vividas pelos pacientes e familiares.
O que as associações de pacientes podem fazer:
· Mobilizar a rede para entender, junto aos pacientes, profissionais e autoridades de saúde, se existem problemas na jornada do paciente decorrentes da pandemia do coronavírus, por exemplo, escassez de medicamentos para suas condições;
· Trabalhar em colaboração com associações parceiras para identificação de problemas em suas localidades, para maior força das ações propostas;
· Definir prioridades de trabalho em conjunto, para mitigar os efeitos da pandemia sobre os pacientes;
· Compartilhar boas práticas de associações e afiliadas neste momento de pandemia;
· Coletar testemunhos de pacientes para entender como sua saúde e suas vidas estão sendo afetadas pelo coronavírus.
Representação política
Os esforços do governo na área da saúde estão concentrados na contenção, mitigação, supressão e recuperação dos efeitos da Covid-19 para as pessoas e para o sistema de saúde. Neste momento, a sensação é de que a representação política das associações de pacientes, realizada por meio de esforços de policy advocacy, está suspensa. Porém, os pacientes continuam necessitando de tratamentos e possivelmente estão com mais dúvidas sobre a continuidade dos mesmos e sobre os efeitos do vírus considerando as comorbidades associadas.
Nos Estados Unidos, representantes de associações de pacientes e profissionais de saúde escreveram uma carta ao presidente Trump solicitando ação imediata para aliviar a escassez de equipamentos de proteção e ventiladores, resultado da pandemia de Covid-19. O argumento é que tanto profissionais quanto os próprios pacientes (muitos dos quais internados por outros motivos que não o coronavírus) estão sendo prejudicados e se infectando por falta de proteção adequada. Inúmeras outras associações de pacientes têm reforçado as recomendações oficiais de governos e da Organização Mundial de Saúde por meio de cartas ao poder público (policy statement). Essas ações de advocacy fortalecem a mensagem e mostram ao governo o apoio de grupos da sociedade organizados em defesa de medidas contra o Covid-19, além de destacarem estratégias específicas para seu público.
O que as associações de pacientes podem fazer:
· Preparar posicionamento oficial da instituição em relação às medidas de enfrentamento do coronavírus, destacando necessidade de continuidade dos esforços direcionados aos pacientes;
· Representar pacientes em discussões sobre mitigação dos problemas, delineamento de soluções, junto ao poder público, em um esforço de colaboração;
· Ativar participação de pacientes em discussões sobre os efeitos da pandemia em seus tratamentos, para subsidiar ações de advocacy.
Em síntese, há muito o que ser feito, mesmo remotamente. A Aliança Internacional de Associações de Pacientes (IAPO) lançou recentemente uma página com iniciativas de seus membros que podem servir de inspiração. Por mais que a pandemia tenha provocado uma desordem nas iniciativas programadas para este ano, é necessário continuar o trabalho dentro das possibilidades e das oportunidades do mundo digital. O momento atual pode ser um catalisador de boas iniciativas de qualificação, educação, comunicação e desenvolvimento de pesquisas e fortalecimento da representação política.
A situação é delicada para todos, mas é importante ter um olhar positivo para a situação, e não deixar passar as oportunidades que este momento pode trazer, para o bem do ecossistema e de todos os pacientes.
Em que iniciativas estão trabalhando no momento? Tem algum assunto que queira saber mais? Entre em contato conosco.