Gigante (Parte 2) – Blog do Chico

Uma voz forte e rouca gritava “Gigante” e eu de imediato respondia: “presente Sensei” (significa mestre, chamamos assim quem nos ensina artes marciais). O ano era 1973, eu morava em Curitiba e meus jovens pais, sim, nossa diferença é de apenas vinte anos, faziam os esportes que gostavam, na verdade minha mãe no jazz e meu pai era uma pessoa que praticava vários esportes.

Éramos sócios de um clube no centro de Curitiba, ele existe até hoje, a famosa  Sociedade Thalia, um clube muito legal com piscina coberta, aquecida e ginásio esportivo.  E lá estava eu no judô,  com meus seis anos . Eu era o menor da turma, o Gigante. Com certeza era por esse motivo que eu tinha esse apelido, mas eu sabia no meu íntimo que não era por isso, mais tarde eu entenderia.

Os meus colegas sempre tentavam me derrubar e eu por mais que tomasse um golpe sempre levantava e olhava fixamente para meu mestre. Ah, eu chamava ele de Brutus pois tinha uma barba espessa e negra  e ele me dava muitas instruções e dicas  e eu ia sempre em frente, podia cair muitas vezes e ele sempre dizia: “Gigante levanta”.  Em um dia de treinamento um garoto maior do que eu e mais forte foi ao chão com um golpe que eu tinha treinado exaustivamente para surpresa de todos, e o mestre sorriu para mim.

A partir dali quem treinava comigo os golpes sabia que não ia ter alguém apenas para derrubar e sim que ia ser derrubado também. Meu pai lutava também em outro horário e eu assistia com muita atenção.  Tinha um treinamento que era de saltar e dar um giro no ar por cima de um banco caindo do outro lado no tatame. Meu mestre gritava com a voz rouca e forte: “Gigante você será o primeiro da fila”, pois ele sabia que eu não tinha medo, vi muito marmanjo desistir na hora. Eu já naquela época incentivava e dizia: “é fácil, olha só” rsrsrs.

Os anos passaram e eu fui procurando outras artes marciais ou lutas, minha paixão era o boxe e o Karatê, imagina se não sou de uma geração em que se passavam filmes desse gênero, o clássico Rocky e Karatê Kid, ainda mais na década de 80. Meu pai me deu um par de luvas de boxe quando eu tinha 7 anos, mas nunca me incentivou a agredir ninguém ou mesmo aproveitar de ter alguma vantagem em uma briga e posso dizer que nessa fase não me lembro de ter nenhuma briga , além de treinar com ele era um convívio pacífico e de muito respeito, riamos muito, eu tentando acertar ele pela diferença de altura, imagina eu pulando me sentindo o Gigante.

Mudamos para Santa felicidade um bairro de colonos italianos e um pouco mais afastado da cidade e lá aos 9 anos posso dizer que tive que me impor pela primeira vez. A minha chegada, ao bairro parecia que eu era um estrangeiro, um ser do outro mundo e logo no primeiro dia  um rapaz mais alto e arrogante  veio impor seu território e suas regras para mim. Lembrei me na hora dos ensinamentos do meu mestre Brutus. Olhei firme em sua direção e disse:” se vier vai pro chão”. Então para minha surpresa ele recuou. No fim ficamos bons amigos e assim seguiu a vida.

Aos 14 anos já morando em outro bairro,  um amigo meu do colégio me disse:” vamos a academia do meu cunhado, ele dá aulas de Karatê “e lá fui eu conhecer. Todos de quimono e eu de agasalho rsrsrs. E assim nasceu uma grande amizade de muitos ensinamentos e desafios, o Ricardo Gonçalves meu mestre me fazia treinar logo as 6h da manhã.  Até hoje ainda me lembro de todas as passagens e treinos exaustivos, campeonatos e sempre tinha alguém maior e mais forte me desafiando e eu sempre lembrando de nunca recuar como meu primeiro mestre me ensinou, lembrava dele chamando, “Gigante”.

Aos 17 anos me mudei para São Paulo e logo encontrei alguns lugares para treinar  boxe ou Karatê . Uma coisa que eu nunca me importei  foi em faixa ou ser melhor que alguém, meus mestres me ensinaram, treinei inclusive com o grande Eder Jofre, nosso eterno boxer.

E o tempo passou , no final de 2002 eu encontrei uma academia muito legal de um cubano boxeador, no bairro de Campo Belo em São Paulo, sabe aquela paixão a primeira vista, um lugar que sempre imaginei, tinha tanto mulheres  como homens  ou seja da forma como sempre enxerguei, uma harmonia… continua

GiGANTE PARTE 2

No ano de 2003 veio o diagnóstico da EM e eu automaticamente me ausentei de tudo e de todos, ou seja, sumi. O diagnostico não me tinha favorecido a praticar nada, apenas injeções e repousos.

O cansaço vinha do nada, estafa, dores que eram aliviadas com as injeções de Avonex. O desequilíbrio muitas vezes acontecia do nada, um tropeço. Com a ajuda e incentivo do meu médico resolvi voltar aos treinos e de imediato fui a academia de boxe. E foi um desastre. No começo não queremos que as pessoas saibam que somos pacientes de Esclerose Múltipla, os olhares ou comentários não eram animadores então eu não contei o que havia acontecido comigo.

Logo no primeiro treino percebi uma dificuldade em saltar de corda, não havia coordenação, o fôlego faltava, na corrida chegava em último, os golpes estavam curtos, a cabeça oscilava,  um pensamento então se fez presente era de parar e desistir. E foi assim , fui embora sem me despedir dos meus amigos, envergonhado pelo meu fracasso. Hoje reconheço que errei , mas eu não sabia lidar com aquilo, eu chorei, mas foi de raiva e naquela noite tenho certeza  que discuti com todos os deuses.

Passado esse período, em busca de outros caminhos encontrei vários outros esportes, outras atividades, viagens, mas tinha ainda uma coisa a resolver. Foi quando dentro do Espaço Funcional onde treino há três anos,  eu vi que dentro das atividades que oferecem estava escrito Systema (Arte marcial Russa).  O ensinamento consiste em que o praticante seja um solucionador de conflitos, cabendo a ele a análise da situação e a escolha das ações, olha que interessante. (A filosofia racional e aberta do Systema remonta ao século X, quando os guerreiros russos começaram a acumular técnicas marciais versáteis, práticas e instintivas, de assimilação rápida e adequada à diversidade de terrenos, inimigos e condições ambientais).

O Carlos e a Monica, donos do espaço e sempre motivadores e sabedores da minha EM e dos resultados positivos me disseram para fazer uma aula experimental. E lá fui eu com o instrutor Nelson e a primeira aula foi terrível. E engraçado como conseguimos reviver coisas que nos bloqueiam, errei quase tudo. Ao final da aula Nelson deu seu depoimento e lembro bem o que o que ele falou  que às vezes precisamos desconstruir para construir novamente, mantendo os pilares mais importantes que são a ética, a moral, a humildade, a força e o caráter.

Aquelas palavras voltaram no tempo e sorri por dentro. Então desconstruir  e segui com os treinos. Participei de um seminário com um instrutor Russo,  Maxim,  uma pessoa da qual eu conversei sobre a EM e ele em nenhum momento me diferenciou pelo contrário exigiu mais ainda e isso me motivou muito.

Procurei um significado para a palavra Gigante e achei essa a mais próxima do que acredito: “ser fabuloso e de imensa estatura, que só podia ser vencido pela ação conjugada de um deus e de um homem”.

 

Então lembrei do meu primeiro mestre que me chamava de “Gigante”, na verdade não era pela minha estatura e sim no que ele acreditou, que aquele pequeno menino teria tantos desafios a enfrentar, e que conseguiria supera-los,  mesmo quando fosse ao chão, ele levantaria e se prepararia para o próximo round. Hoje quando vamos começar as aulas de systema, em silêncio escuto ao fundo a voz rouca e forte chamando “Gigante” e eu respondo em silêncio, ainda estou por aqui, presente mestre. GOOD VIBES