Após o diagnóstico, os pacientes relatam mudanças bruscas na rotina,
mas apontam a possível adaptação como melhor remédio.
Conheça mais sobre o dia a dia de quem sofre com a doença
mas apontam a possível adaptação como melhor remédio.
Conheça mais sobre o dia a dia de quem sofre com a doença
A pesquisadora gaúcha Bruna Rocha Silveira completou 28 anos de idade no último mês de julho. “Foi quando percebi que vivo há mais tempo com esclerose múltipla (EM) do que sem”, conta ela, que recebeu o diagnóstico da doença pouco antes dos 14 anos. “A EM afeta a minha vida o dia inteiro, todos os dias”, afirma. “Mas a gente vai se acostumando.”
Ela ainda era uma garota quando um formigamento na mão direita a fez procurar um ortopedista. O médico, então, suspeitou que aquele sintoma, aparentemente banal, tivesse uma causa que merecia maior atenção. Começou ali uma investigação que, seis meses depois, detectou que aquele havia sido o primeiro surto da doença – um diagnóstico consideravelmente rápido, mesmo para os padrões atuais que estimam a conclusão em até dois anos.
“Foi difícil de lidar, eu nunca tinha ouvido falar naquilo. Não sabia o que era, nem onde procurar para me informar. Um dos artigos que li na época diziam que eu morreria em dez anos”, relembra Bruna. “A mudança é grande, a gente tem que se adaptar, mas aprende. Às vezes, por exemplo, tenho dificuldades de segurar uma caneta, então sei que não é dia para eu escrever e foco em outras atividades. Tive que passar por diversas situações para aprender os limites do meu corpo.”
Obstáculo físicos
A EM impõe dificuldades ao corpo do paciente. Doença autoimune e degenerativa ainda sem causa completamente definida ou cura conhecida, ataca o sistema nervoso central (SNC) e afeta as funções controladas pelo cérebro, cerebelo e medula espinhal.
Sua forma mais comum, a remitente-recorrente, se manifesta por meio de surtos esporádicos cujos sinais dependem da área acometida: pode criar dificuldades para caminhar, problemas na visão, desequilíbrio, entre outros. Cerca de 85% das 2,3 milhões pessoas com EM no mundo – 35 mil delas no Brasil, segundo estimativas – têm esse tipo.
As evidências apontam uma predisposição genética para o desenvolvimento. Estudos sugerem, porém, que só essa herança não basta para que a doença se manifeste. Para tanto, teria que ser associada a fatores ambientais, e o tabagismo, a infecção viral e a deficiência de vitamina D são os mais plausíveis.
Lidar com o imprevisível
Ainda assim, há muitas perguntas sem respostas ao explicar a EM. “Em gêmeos monozigóticos, se um desenvolve a doença, a chance de o outro também a ter é de 40%. E são indivíduos com exatamente o mesmo material genético e que compartilham o mesmo ambiente”, explica o neurologista Tarso Adoni, diretor técnico do Centro de Esclerose Múltipla do Hospital Sírio-Libanês (SP). Ele classifica a doença como “imprevisível”.
“Duas pessoas vão evoluir de maneira muito diferente e um mesmo paciente pode passar cinco anos sem ter um surto e, em seguida, ter dois em um mesmo ano. Quando sou perguntado como ele vai estar em dez ou 15 anos, a minha resposta é ‘não sei’”, afirma Adoni.
Poder de adaptação
Essa característica aflige o gerente de projetos Eduardo André Cândido Silva, 34, diagnosticado recentemente, no início de 2014. “É o mais difícil de lidar. Sou planejador, identifico riscos e trabalho para minimizá-los. Você fica tentando descobrir como vai ser dali para frente”, conta ele que, ao contrário de Bruna, levou quase seis anos entre o primeiro sintoma e a notícia de que eram causados pela EM.
“Fui de especialista em especialista tentando resolver um problema de desequilíbrio, que fazia eu ter que me apoiar na hora de caminhar”, lembra Silva. “O primeiro impacto é devastador, você se vê diante da finitude. Com o tempo você vai se acostumando. Mas hoje temos uma rotina que mudou bruscamente”, diz o gerente, cujo perfil não se encaixa no mais comum dos portadores: mulheres correspondem a dois terços dos casos, a maior parte com os primeiros surtos entre os 20 e 30 anos – os hormônios femininos podem ser fatores para essa diferença.
A vida muda, mas segue. “É preciso entender que é uma ilusão prever o futuro”, resume Silva. “Tento não ficar lendo sobre a doença. Não adianta, vou gastar tempo que tenho para trabalhar, para ficar com a minha família. Quero deixar a EM ser só um pequeno fato da minha vida, que é muito maior.”
Tocar a vida
O tratamento já permitiu a Silva retomar algumas atividades que a doença o impedia de realizar. Hoje ele faz natação e já consegue vencer a fadiga, um dos sintomas mais comuns da EM. Voltar a andar de bicicleta com o filho e a esposa ainda é um objetivo. “Com a fisioterapia creio que será possível”, afirma.
O paulista também teve que se adaptar ao trabalho, deixando uma rotina que incluía diversas viagens por uma nova função em que fica baseado em sua cidade. “Tudo foi feito com muito apoio”, conta Silva. O dia a dia de Bruna também passou por mudanças. Abandonou a profissão de jornalista. “Era algo que me deixava doente, não tinha tempo de descansar, era aquela coisa de chegar cedo e sair tarde. Hoje, faço doutorado e tenho meus próprios horários”, conta. “Aceitar (a EM) é a única alternativa. Quanto a doença vai afetar a nossa vida, somos nós que escolhemos.”
Monoterapia com vitamina D
Uma das características da EM é ser mais comum em países além dos trópicos. Dependente do contato com a luz do sol –menos abundante nesses locais – para ser fabricada pelo próprio organismo, a vitamina D é uma das teorias para explicar o motivo de maior prevalência da doença nessas áreas do globo. Níveis reduzidos dessa substância são apontados como um dos gatilhos ambientais. Causa polêmica, porém, uma forma de tratamento que se baseia prioritariamente em dar ao paciente doses de vitamina D. Esse tipo de terapia teria a vantagem em relação às outras de ser mais barata e praticamente livre dos efeitos colaterais dos demais medicamentos. Em fevereiro de 2014, entretanto, a Academia Brasileira de Neurologia (ABN) publicou uma revisão de estudos e o consenso foi de que “não existem evidências científicas que justifiquem o uso da vitamina D em monoterapia no tratamento da EM”.
“Há evidências de que ela atue no sistema imunológico, mas não de que doenças imunológicas sejam tratadas com altas doses de vitamina D”, explica o neurologista Adoni.
Atualmente, o tratamento da doença é feito a partir de imunomoduladores, com o objetivo de diminuir a ocorrência de surtos e também o progresso da EM. Recentemente, o Sistema Único de Saúde (SUS) incorporou o fingolimode à sua lista, a primeira terapia oral distribuída pelo órgão – até então, apenas medicamentos injetáveis estavam à disposição.