A ‘cannabis’ é usada na Medicina há milhares de anos, mas só agora os cientistas estão descobrindo seus benefícios – e malefícios – exatos.
A cannabis faz bem para você. A cannabis faz mal para você. Confuso? Não seria surpreendente. Complexa e controversa, a cannabis teve sua dupla personalidade revelada por estudos científicos recentes.
Há um lado positivo, que tem sido levado em conta por autoridades de diversos países para afrouxar as restrições sobre o seu uso – inclusive recentemente no Brasil para uso medicinal – e um lado mais negativo.
A chave para entender esta planta está em dois de seus princípios ativos, conhecidos pelas siglas THC e CBD. “O THC e o CBD são um pouco como yin e yang”, diz Val Curran, professora da University College London (UCL).
“O THC deixa a pessoa chapada, mas também pode deixá-la ansiosa e se sentindo um pouco psicótica, além de prejudicar seriamente a memória. Já o CBD tem efeitos quase opostos, com propriedades antipsicóticas que atenuam o efeito prejudicial sobre a memória.”
Então, o primeiro passo para entender a cannabis é compreender que ela pode variar. Diferentes tipos contêm diferentes quantidades destes pólos opostos, com consequências dramaticamente diferentes.
Equilíbrio
A maconha tão familiar para muitos de minha geração foi caracterizada por um relativo equilíbrio entre o THC e o CBD.
Hoje, a grande maioria de cannabis à venda nas ruas é reconhecidamente mais forte. Conhecida como skunk, contém uma proporção bem mais alta de THC – até 15% – e produz uma onda muito mais poderosa, tornando-a mais atraente para usuários.
E como dificilmente contém alguma quantidade do CBD, o que em tese atenuaria seus efeitos prejudiciais, seus riscos são também maiores.
“Com o skunk, que possui alto teor de THC, as pessoas enfrentam problemas de memória mais graves, o que pode afetar seu desempenho escolar, por exemplo. E 10% das pessoas que usam a driga se viciarão nela”, diz Val Curran.
De acordo com um estudo feito por dois pesquisadores da UCL, Tom Freeman e Adam Winstock, a variedade mais forte da cannabis aumenta o risco de vício, perda de memória e paranoia.
Em um teste realizado para explorar formas de ajudar viciados, eles estão usando um medicamento baseado na própria planta – na esperança de que, administrando doses de CBD, o ingrediente mais benigno da cannabis, seja mais fácil para um usuário para resistir à sedução de seu elemento mais potente, o THC.
“Acreditamos que o CBD possa reverter os efeitos de longo prazo do hábito de fumar maconha e ajudar quem fuma muito a largar o vício”, diz Freeman. “Se este teste for bem-sucedido, então, teremos encontrados o primeiro tratamento efetivo contra a dependência da cannabis.”
Efeito e contra-efeito
Mas novas evidências inflamaram ainda mais o debate em torno de se a cannabis pode levar à psicose e em que medida isso ocorre. Uma nova pesquisa publicada no periódico científico Lancet Psychiatry sugere que existe uma conexão, especialmente em pessoas que já são vulneráveis a desenvolver problemas mentais.
O estudo conduzido em Londres envolveu 800 pessoas – apenas metade delas era usuária de maconha.
“Descobrimos que fumar cannabis, especialmente as variedades mais fortes, está associado a um risco maior de desenvolver psicose”, afirma um dos autores, Robin Murray, do King’s College London.
“Se você fumar ao menos uma vez, há três vezes mais chances. Se isso ocorrer todo dia, a probabilidade é cinco vezes maior.”
Neste ponto, precisamos voltar ao lado yin e yang da cannabis. Apesar desta nova pesquisa ter chegado à conclusão que a cannabis mais forte, repleta de THC, pode estar ligada à psicose, os dados indicaram que sua versão mais leve, com CBD, possivelmente pode ser útil para tratar este mesmo problema mental.
Murray é cauteloso, mas concorda. “Se você administrar THC a voluntários normais, eles podem se tornar psicóticos. Mas se antes vocês os tratar com CBD, é possível prevenir que isto ocorra”, afirma.
“Isto nos fez pensar: seria possível tratar a psicose com CBD? Há um estudo que sugere isso, mas ainda está apenas em seus primeiros estágios.”
Um produto que está despertando bastante otimismo no Estado do Colorado, nos Estados Unidos, é um medicamento derivado da cannabis conhecido como Teia de Charlotte. A droga recebeu seu nome a partir de uma menina que a usou para tratar epilepsia.
A família Mattinson vendeu tudo que tinha no Estado do Tennessee e se mudou para o Colorado para que sua filha Millie, uma menina epiléptica de dois anos, pudesse usar a Teia de Charlotte.
Suas convulsões logo após nascer eram tão intensas que os médicos lhe deram poucas chances de sobreviver. Mas sua mãe, Nicole, me disse que a droga se mostrou benéfica imediatamente, mudando a vida de Millie num piscar de olhos.
“É miraculoso. A primeira vez que demos para ela, seus olhos se abriram em 15 minutos, e me senti como se estivesse num filme. Foi algo maluco. Você só acreditaria se tivesse visto”, afirma Nicole.
Vias de tratamento
No Reino Unido, a única medicamento legal derivado da cannabis é o Sativex, da companhia farmacêutica GW Pharma, usado em quem sofre de esclerose múltipla. A empresa – a única com permissão para cultivar cannabis no país – desenvolveu outra formulação que está sendo testada para tratar epilepsia.
Os testes com 80 pacientes estão em segundo estágio na Universidade de Edimburgo. O cientista responsável, Richard Chin, diz que os resultados são promissores não apenas para controlar as convulsões, mas também para preveni-las.
“Um dos aspectos interessantes do CBD é que ele não tem só efeitos antiepilépticos. Curiosamente, também parece ter efeito em problemas cognitivos e de comportamento”, afirma Chin. “Com base em dados preliminares, podemos dizer que pode combater a epilepsia de forma geral, e espero que possa criar uma nova via para tratamentos.”
Ainda é cedo para prever mas, em um horizonte de longo prazo, pesquisadores veem o potencial do uso do CBD para aliviar um pouco de tudo, desde dores do câncer até efeitos do autismo.
Por milhares de anos, a cannabis foi usada medicinalmente. Mas só agora as pesquisas estão revelando que é possível fazer com ela e como aplicá-la da melhor forma. Ao mesmo tempo, a Ciência está descortinando as implicações da droga mais potente vendida nas ruas.