A mudança de Casa

Quando mudamos de casa, também as ideias se mudaram e transformaram-se. O lar se foi. Há uma enxurrada de lembranças, um acúmulo desnecessário de papéis, pela profissão que nos sustentou, a docência. Uma dorzinha de saudade pelo que lá foi vivido. Uma casa grande, igual coração de mãe, muitos móveis, muitos livros, muitas roupas. Um nostálgico pensamento de uma brincadeira de quintal, escorregar em água ensaboada pelo chão, as árvores frutíferas e ornamentais; os animais de estimação: o sapo, o pintinho, o preá, os cachorros. Quanta saudade, que não cabe no texto. As comidas que “inventamos” : os suspiros e bolachas, pães, macarrão, tudo era uma aventura naquela cozinha-copa, que saudade do cheiro das nossas experiências culinárias E daí, onde a gente fazia lição, na sala de jantar. E o medo infantil de subir ao andar superior, receio de encontrar um bicho-papão. À sombra da árvore na frente de casa, o chilrear dos bem-te-vis. As crianças esperando o transporte da escola… Lá se foram anos, a vida foi indo, como trem, arrastando o coração, num viaduto escuro, e nos mudamos… Foi preciso, a casa já não cabia em nossas vidas, quando nossas vidas sempre couberam naquela casa. Que tristeza abandoná-la, mas não pareceu bem desse modo. Não houve abandono, conversamos e escolhemos apenas partimos um de cada vez, multiplicando casas e famílias. Novos lares se formaram, e a casa antiga ficou lá, como coração de mãe ao ver os rebentos partirem. Para presentear, um ninho de sabias na árvore, um novo lar que foi formado.   “Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras e os enfeites brincam de trocar de lugar. Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha. Sofá sem mancha? Tapete sem fio puxado? Mesa sem marca de copo? Tá na cara que é casa sem festa. E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.” CARLOS. DRUMMOND DE ANDRADE

Um Momento de Felicidade

Um dia, ainda criança, perguntei, pai, você é feliz? Ele demorou um pouco, ficou pensativo, surpreso até, e respondeu, filha, feliz, feliz, não sou; tenho momentos de felicidade, mas feliz mesmo não sou. Por que filha? Nada não pai, só para saber. Eu fiquei triste e me senti a pior filha do mundo, pois não era capaz de fazer meu pai feliz. Mas com o tempo fui crescendo e entendendo melhor das coisas do mundo e percebi que ninguém podia fazer ninguém feliz, mas sim proporcionar momentos de felicidade, como meu pai me disse naquele dia. Desde então passei a procurar no olhar de meu pai esses momentos de felicidade. Quando eu estudava, menina alvoroçada que era, ao receber meu boletim com as notas da escola enchia-me de esperança e ansiava por encontrar o momento de felicidade de meu pai. Eu corria para casa com alegria incontida e ficava esperando ele chegar do trabalho. Assim que eu ouvia o barulho da buzina do carro velho dele, corria e abria o portão, com o boletim na mão. Mal ele fechava a porta do carro e eu fechava o portão da garagem, eu estendia a mão segurando a folha de papel com as notas, pai, meu boletim, está bom? Para ver um momento de felicidade de meu pai, eu estudava bastante e tirava as melhores notas. Mas ele apenas olhava rapidamente e dizia está bom sim, sem o brilho nos olhos que eu tanto procurava, e logo seguia para dentro de casa. Talvez ele estivesse sempre cansado e preocupado e por isso não prestava muita atenção e não percebia que minhas notas no papel eram minhas horas de esforço e dedicação para deixa-lo orgulhoso. Mas eu não desistia e a cada boletim renovava as esperanças. Os anos passaram e eu terminei a escola, graduando-me com destaque. Chegara a hora do vestibular. Eu não sabia muito bem o que queria fazer da vida, mas, na ânsia de proporcionar um momento de felicidade para meu pai, resolvi prestar prova para direito, pois ele dizia que sempre queria ter um filho “doutor”, e como eu era filha única, sabia que ele ficaria orgulhoso e feliz. Passei em primeiro lugar na universidade pública mais concorrida do estado. Eu estava em casa quando minha tia ligou avisando que eu havia sido aprovada. Imediatamente fui abraçada por minha mãe, enquanto buscava os olhos de meu pai. Ele disse, passou? Vou buscar as cervejas para comemorar. Nem um abraço ele me deu. Saiu para comprar cerveja. Logo a casa estava repleta de familiares, todos bebendo e sorrindo, enquanto eu sentia um arrepio frio e uma vontade chorar, vendo meu pai sorrir por causa da bebida e da festa. Mas continuei sem ver uma nesga de brilho em seus olhos, já embriagados pelo álcool. Mas não desisti. Dediquei-me com afinco à faculdade e mantive meu excelente desempenho, destacando-me ao longo do curso. Minha formatura ocorreria em uma série de cerimonias que duraria três dias, sendo um dia para a missa, outro para a colação de grau e outro para o baile. Meu pai chegou e me perguntou, filha, dos três dias qual você quer que eu vá? Só posso ir em um dia, preciso trabalhar. Fui para o quarto e chorei com dor, com muita dor naquele dia. Pouco tempo após a formatura me casei com meu noivo e três anos após tive meu primeiro filho. E quando informei a meu pai minha intenção de batizá-lo com o nome dele ele disse, filha, não faça isso, meu nome é feio e ele vai sofrer na escola. Confesso que depois desse episódio eu desisti. Passei em um grande e concorrido concurso federal, tive mais dois filhos e segui minha vida, sem alimentar mais a esperança de ver, ao menos por um instante, um brilho de felicidade nos olhos de meu pai. A vida seguiu seu curso natural. Meu pai envelheceu, adoeceu, e quando estava em seus últimos dias de vida, deitado no leito do hospital, pediu para falar comigo a sós. Olhou em meus olhos e me disse, reunindo suas últimas energias, com a voz entrecortada e fraquinha de dar dó, filha, eu sei que você passou sua vida inteira tentando me agradar, esperando que algum dia eu te abraçasse ou te beijasse e mostrasse minha felicidade, mas o pai não sabe ser assim. A minha vida foi muito difícil, dura e sofrida. Eu apanhava de meu pai, alcoólatra, todos os dias e logo cedo ele me pôs para trabalhar, serviço pesado. Minha mãe foi uma coitada, teve tantos filhos que morreu cedo. Eu nunca tive contato com o lado bonito da vida e me tornei esse homem cru que só pensava em trabalhar para sobreviver. Essas marcas ficaram para sempre dentro de mim, e por isso esse meu jeito de ser meio distante e frio. Eu conheci sua mãe e juntos conseguimos dar algo de bom para você, a maior prova de que cada suor de meu rosto valeu a pena. Mas eu juro que fui o melhor pai que eu poderia ser. Mesmo que não fosse o que você esperava, eu te dei o melhor que eu poderia de mim em cada momento de tua vida. E te garanto filha, a cada conquista tua meu coração não se aguentava de tanto orgulho e felicidade. E agora que estou perto de morrer criei coragem para te falar tudo isso. Você foi, filha, desde o dia em que você nasceu, o maior momento de felicidade de toda minha vida… Nesse momento eu vi o que sempre desejei, emocionada pelas palavras do homem sem estudos e humilde que fora meu pai, meu maior orgulho. Eu vi. Os olhos fundos e ressecados de meu pai, já quase cadavéricos, não conseguiram esconder o brilho de seu olhar, uma luz tão forte que veio lá de dentro e se acomodou em meu coração, finalmente em paz.

Proposta de Simpósio Oral

– Título do Simpósio: Desafios e sucessos de um projecto Luso-Brasileiro: Alguns dados empíricos – Coordenadora do Simpósio: Rute F. Meneses (FCHS / CTEC / FP-B2S / HE – Universidade Fernando Pessoa) – Identificação da moderadora: Ana Maria Canzonieri (ABEM – Associação Brasileira de Esclerose Múltipla) – Resumo do Simpósio: Objetivos: O presente simpósio pretende agregar dados empíricos e reflexões suscitadas pela implementação de um projecto Luso-Brasileiro, incluindo dificuldades e suas superações. Relevância: A relevância do simpósio advém da articulação das etapas que foram sendo percorridas nos dois países, em termos metodológicos e de resultados. Sumário: Assim, a 1ª e a 2ª comunicações apresentam a caracterização da qualidade de vida e da espiritualidade de indivíduos com esclerose múltipla brasileiros. As outras duas, reflectindo dificuldades diferenciais entre os dois países ao nível da avaliação psicólogica, exploram os dados recolhidos junto de estudantes do ensino superior português, como parte do processo de desenvolvimento de uma bateria de avaliação comparável para portugueses e brasileiros. Mais concretamente, a sua saúde é analisada, através das habilidades sociais, satisfação sexual e traços de personalidade, sendo, na última comunicação, testada a capacidade preditiva das habilidades sociais no âmbito da promoção da saúde. Para além dos objectivos gerais do projecto, a necessidade de introduzir fases intermédias – diferentes nos dois países – acarretou a identificação de dados importante no âmbito da promoção da qualidade de vida e da saúde de indivíduos doentes e saudáveis.   – Título das Comunicações Individuais: 1) Qualidade de vida de indivíduos brasileiros com esclerose múltipla 2) Espiritualidade de indivíduos brasileiros com esclerose múltipla 3) Indicadores triangulares de saúde em estudantes do ensino superior 4) Habilidades sociais na promoção da saúde: Preditoras da saúde mental e sexual   – Autores e filiações das Comunicações Individuais 1) Ana Maria Canzonieri, Thais Mira Simandi, Beatriz Sodré Maciel, Lucas Ribeiro dos Santos, Daniele Batista de Sousa, & Priscila da Silva Santos ABEM – Associação Brasileira de Esclerose Múltipla 2) Ana Maria Canzonieri, Thais Mira Simandi, Beatriz Sodré Maciel, Lucas Ribeiro dos Santos, Daniele Batista de Sousa, & Priscila da Silva Santos ABEM – Associação Brasileira de Esclerose Múltipla 3) Carla Bernardett Santos (1), Ana Carina Peixoto (1), & Rute F. Meneses (2) (1) FCHS – Universidade Fernando Pessoa; (2) FCHS / CTEC / FP–B2S / HE – Universidade Fernando Pessoa 4) Ana Carina Peixoto (1), Carla Bernardett Santos (1), & Rute F. Meneses (2) (1) FCHS – Universidade Fernando Pessoa; (2) FCHS / CTEC / FP–B2S / HE – Universidade Fernando Pessoa   – Resumos das Comunicações Individuais: 1) Qualidade de vida de indivíduos brasileiros com esclerose múltipla Ana Maria Canzonieri, Thais Mira Simandi, Beatriz Sodré Maciel, Lucas Ribeiro dos Santos, Daniele Batista de Sousa, & Priscila da Silva Santos ABEM – Associação Brasileira de Esclerose Múltipla e-mail: amcrrr@gmail.com   A esclerose múltipla (EM) é uma doença degenerativa que afeta a qualidade de vida (QDV), levando a pessoa muitas vezes a reavaliar suas atividades. Objetivo: Avaliar a QDV de pessoas com EM. Método: Avaliar pessoas com EM, de ambos os sexos, de Instituição Social Civil, no Brasil, com a MSQOL–54. Em 2014, foram avaliadas 345 pessoas, entre os 76 e os 16 anos (DP=12,25), 70% com nível superior, 55% casados, com tempo de diagnóstico predominantemente acima de 10 anos, com tipo de EMRR, com presença de 2 formas CIS e EDSS em média de 7,0. Em 2015, foram avaliadas 90 pessoas, entre os 70 e os 19 anos (DP=12,0), 40% com ensino médio e superior, 45% casados, 50% com tempo de diagnóstico até 5 anos, predominância de tipo de EMRR e EDSS em média de 3,0. Em 2016, foram avaliadas 68 pessoas, entre os 68 e os 20 anos (DP=11,21), 73,5% com nível superior, 40% solteiros e casados, com tempo de diagnóstico predominantemente até 5 anos, com tipo de EMRR e EDSS em média de 3,0. Resultados: Em 2014, o escore médio do MSQOL–54 no quesito saúde física foi de 86,19, na saúde mental de 86,55. Em 2015, o escore médio do MSQOL–54 no quesito saúde física foi de 99,07, na saúde mental de 92,15. Em 2016, o escore médio do MSQOL–54 no quesito saúde física foi de 50,0, na saúde mental de 47,7. Discussão: A percepção de QDV dos participantes registou diferenças consideráveis, até em termos relativos (saúde física vs mental), o que tem implicações na planificação da sua promoção.   Palavras-chave: Qualidade de vida, Esclerose múltipla, Saúde física, Saúde mental     2) Espiritualidade de indivíduos brasileiros com esclerose múltipla Ana Maria Canzonieri, Thais Mira Simandi, Beatriz Sodré Maciel, Lucas Ribeiro dos Santos, Daniele Batista de Sousa, & Priscila da Silva Santos ABEM – Associação Brasileira de Esclerose Múltipla e-mail: amcrrr@gmail.com   A esclerose múltipla (EM) é uma doença crônica e progressiva que afeta a qualidade de vida das pessoas e, consequentemente, sua forma de enxergar a espiritualidade. Objetivo: Avaliar pessoas com EM quanto à espiritualidade. Método: A Escala de Espiritualidade foi aplicada em 266 pessoas de ambos os sexos, com EM, de Instituição Social Civil, no Brasil. Estas eram predominantemente católicas, com nível superior completo, com tipo de EMRR, EDSS entre 0,0 e 9,0, sendo a maioria até 4,5, com idade entre os 75 e os 14 anos (M=42,0; DP=12,0). Resultados: A respostas para as questões (1) As minhas crenças espirituais / religiosas dão sentido à minha vida; (2) A minha fé e crenças dão-me forças nos momentos difíceis; (3) Vejo o futuro com esperança; e (5) Aprendi a dar valor às pequenas coisas da vida foram predominantemente “concordo bastante”. Somente para a questão (4) Sinto que a minha vida mudou para melhor é que as respostas tenderam a ser “concordo um pouco”. Discussão: As pessoas avaliadas, em sua maioria em idade produtiva, ao se perceberem acometidas por uma doença crônica, por mais que (ainda) tenham fé, não concordam que a vida teve uma mudança para melhor. Referem, todavia, aspetos relevantes para as equipas de cuidados de saúde, nomeadamente, no âmbito da promoção da qualidade de vida destes doentes.   Palavras-chave: Esclerose múltipla, … Ler mais

Superando a EM – Parte 2

O lado da esposa… Conheci o Andi em 2006 na Austrália, onde tivemos um curto relacionamento, mas sempre mantivemos  contato. Retornei ao Brasil no final de 2007 e em 2009 recebi sua vista. Começamos a namorar à distância. Ele sempre vinha me visitar no Brasil. No final de 2010, estávamos com amigos na praia. Andi tinha bebido todas e não andava direito, achamos que era efeito do álcool. No dia seguinte caminhamos na praia e ele precisou de ajuda na volta, pois não sentia as pernas. Fiquei preocupada, mas ele havia me dito que estava fazendo exames e iria me falar só depois quando retornasse à Suiça. Logo depois veio o Carnaval e meus amigos foram viajar, mas preferi ficar em SP para acompanhar de longe e pela Internet, os exames que iriam ser feitos. Inclusive o exame do liquor. Me lembro que não tinha a mínima idéia do que era esse exame e fiquei brava com ele, pois ele não se conectou logo depois do exame. Ele não podia se movimentar direito. Em Março quando o Andi me contou sobre o diagnóstico pela internet, fiquei em choque, chorei sem saber o porque e depois comecei a procurar na internet o que realmente era a EM. Encontrei várias informações diferentes e ficava cada vez mais confusa. Até que achei a página da ABEM na internet e procurei por mais informações. Me lembro que nesta época, o Andi me perguntava: Você acha que eu sou considerado uma pessoa com deficiência física? Será que vou conseguir seguir com os planos que eu fiz pro meu futuro? Por que não consigo mais andar de snowboard? E toda vez que o respondia, ele ficava um pouco agressivo com as minhas respostas. Eu só respondia que tudo ia melhorar ou dar certo e que poderia ser pior. Mas não tinha a menor idéia do que ele estava sentindo. Ele me dizia que minhas respostas eram standard. Com o tempo tudo foi realmente se ajustando e ele passou a ter uma atitude mais positiva. Em Londres, ele tentou esconder os sintomas para não estragar a viagem. E sempre que andávamos por muito tempo ele nunca queria desistir. Tivemos inúmeras conversas sinceras e discussões. Em uma delas entramos em acordo de que eu não iria mais tratá lo como uma pessoa doente, sempre perguntando se está tudo bem e em troca ele iria tentar obedecer seu corpo e limitações avisando quando deveríamos parar para descançar. Na realidade, quem pede parar parar sou eu, pois não tenho tanta energia como ele. Acredito que a chave principal do nosso relacionamento é a sinceridade e o coração aberto para expressar as nossas emoções. Uma vez ele me disse que eu não tinha a mínima idéia de como ele se sente, mas ele também não tinha idéia de como eu me sentia sem saber o que ele sentia e não poder fazer nada. A EM não era uma doença que afetava exclusivamente ele, mas sim todos ao seu redor. A ABEM me deu vários exemplos de força, alegria e sabedoria. Cada pessoa com quem eu convivi, me ensinou muito. E por tabela ajudou o Andi também, pois sempre falava de todos os exemplos de garra que eu conheci. Hoje em dia, estamos casados e eu o admiro cada vez mais. Sua resistência fisica e psicológica melhoraram muito. Um cara incrível, sempre com atitude positiva e que eu tive a sorte e conhecer e de estar ao lado acompanhando todas as etapas da vida…Na saúde e na doença, na alegria e na tristeza.  

A importância da ABEM em minha VIDA

Sou portadora de EM há 25 anos e leio sempre com muita atenção e carinho todas as postagens depoimentos perguntas enfim tudo que se refere a EM. Considero os blogs importantíssimos, porque trazem força trocam experiência e ajudam todos nós, andei pensando e como todos falam sobre a EM resolvi falar sobre a ABEM. Gente frequento a ABEM faz pelo menos há 15 anos, portanto conheço muito bem essa casa que nos acolhe, pra quem não conhece é um lugar tão bonito claro arejado e gostoso. Aqui conhecemos outros portadores e vamos nos tornando amigos, na verdade uma grande família, vocês não imaginam como isso nos faz bem. Desde o cafezinho da manha, sempre com bolos, pães e doces, depois aquele almoço gostoso preparado com muito carinho, as conversas, serias ou alegres, o aprendizados de cada um com os amigos, nesse meio tempo as terapias: fisioterapia, psicologia, teo, muitas outras, com profissionais que nos tratam com muito respeito e carinho, toda a equipe multidisciplinar esta aqui para nos ajudar, são todos pessoas incríveis. Poderia ficar aqui horas falando sobre o que frequentar a ABEM faz por nós, quem não conhece deveria vir é um lugar especial. Um enorme abraço a todos os amigos que já estão aqui conosco e um convite para quem não conhece venha nos conhecer. Sem a ABEM não teríamos a oportunidade de nos conhecermos e estarmos juntos, usufruindo de amizades verdadeiras de pessoas que nos entendem e sentem como nos sentimos. Então agradeço a ABEM por essa oportunidade de falar um pouquinho sobre essa instituição que é tão valiosa para todos nós. Durante todos esses anos recebi um apoio incondicional em circunstancias muito difíceis da minha vida e que jamais terei como agradecer.

No Tempo Certo

Acelerou o passo sem olhar para trás e atravessou correndo a faixa de pedestres. Não que tivesse medo de um atropelamento, mas queria afastar-se cada vez mais da casa onde residia com o marido há quinze anos. O sol sangrava no alto, acolhido pelo azul forte do céu, sem uma mísera nuvem para contar história. O diabo todo aconteceu de uma hora para outra. Ou será que foi acontecendo aos poucos, dia após dia, ao longo dos anos? Não tinha certeza, mas sabia que era o momento. E para não desistir, engendrou em sua mente um recurso fantasioso que se mostrou infalível: pensou seus dias de casada, todos eles, como imensos blocos de gelo que derretiam toda vez que dava boa noite ao marido e dormia. E ao acordar, o dia anterior já havia derretido, e a água subindo, subindo, encharcando seus pés, suas pernas… até chegar ao pescoço, prestes a afogá-la. Não havia jeito! Precisava se salvar, viver. Toda alvoraçada, caminhava pela rua sem um plano verdadeiro. Em um misto de sentimentos, euforia e medo, resolveu parar para uma água e um pouco de oxigênio. Entrou em uma padaria, pediu uma água sem gás e uma fatia de seu bolo favorito, que há muito não comia. Saboreou cada troço como se fosse sua liberdade sendo restituída em deliciosas porções de açúcar e chocolate. Entre um bocado e outro, os lábios entreabertos denunciavam um desejo contido de gritar, de expandir-se em si mesma, tamanho o prazer do momento. Não queria pensar, apenas viver. Quando deu por si, um homem na mesa ao lado, também sozinho, a olhava de soslaio. Enrubesceu. Não estava preparada para aquilo. Pegou a bolsa, pagou a conta e seguiu seu rumo, incerto. Mais cedo, tomara banho, vestira uma roupa confortável – própria para fugas -, e pegou a soma que havia guardado. Os criados nem perceberam que a patroa deixara a casa. Estava cansada. Cansada de conviver com pessoas de rótulos. Queria conteúdo. Cansada das intermináveis festas da alta sociedade e das conversas do marido e seus amigos. Cansada das amigas. A vida repetia-se em um roteiro insosso e em preto e branco, enfadonho. O sol ardia-lhe na testa, as ideias revolteavam dentro de si. O que faria, agora que tentava agarrar a liberdade com as duas mãos, fugidia, como um sabonete escorregadio? Precisava se acalmar, engendrar um plano. O que se faz quando se quer deixar para trás o peso de quinze anos? Beliscou-se, certificando-se de que estava viva e de que tudo era real. Sim, estava nas ruas. O mundo realmente existia, como as pedras também existiam, fora das paredes da mansão e dos olhares inquisidores dos empregados. Empregados… foram tantos, em tantos anos. Todos contaminados pela frieza do marido. Exceto… D. Nice! Lembrava onde ela morava! Agora já tinha um plano. Poderia acalmar-se e embeber-se das águas fluídas da liberdade. Por certo D. Nice a ajudaria. Perguntou para um, para outro, sacolejou no ônibus duro e de ar abafado, e chegou à estradinha de terra que a conduziu à D. Nice. “Minha filha, você é inocente por demais. Volte para casa. O mundo é perigoso para uma moça com essa boniteza e tão bobinha”. Fez-se de serenada para a velha, ergueu a cabeça e fez o caminho de volta até o ponto de ônibus. Apesar da dificuldade, sentia algo novo e incrível crescendo dentro de si. A certeza que batia em seu peito a impedia de olhar para trás. Tudo bem que a mansão era deliciosa. A piscina, a sauna, os lençóis macios, a cama quentinha…  O café da manhã suntuoso, os empregados sempre à postos…. É, o marido era um homem gelado, mas não podia negar que ele a oferecia tudo do bom e do melhor. Bobeira! Não era isso que queria. Queria ser preenchida, ser tocada. Pela existência, por um amor quente e vivo. Queria ser a personagem daquele filme que a fez chorar duas horas seguidas, quando a moça deixou o marido e o luxo para trás em busca de um novo amor. Pensando bem, foi ali que a coisa toda avolumou-se e ameaçou deixar sua mente para tornar-se esse real de agora. Mas no filme havia a música, e as pessoas eram bonitas. Não havia esse ônibus lotado e essas pessoas estranhas a olhando como se fora algum bicho exótico. Decidiu ir a um shopping. Um lugar familiar lhe refrescaria as ideias, ajudá-la-ia a decidir o que fazer, que rumo tomar. Caminhando na esterilidade do lugar, lembrou-se do dia em que conhecera o marido, mais velho, promessa de fuga e sonhos. Deixou a cidadezinha no Nordeste já casada e com uma vida de luxo a espera. Maria, nome herdado da avó, dentre tantas Marias, nasceu com uma maldição. Beleza demais. O futuro marido, milionário, com o dobro da idade e recém viúvo, encantou-se com a moça e a levou para São Paulo. No início tudo era resplandecente e luminoso, o cenário de pobreza e secura dera lugar à uma alvura estéril e límpida. Mas a beleza é um ornamento, e em pouco tempo os olhos e as mãos do marido acomodaram-se à luz e à maciez da tez de Maria, e a moça fora cada dia mais deixada de lado. A infelicidade foi crescendo, crescendo, como a fome que Maria conhecera na infância. Caminhava, observando as vitrines que outrora a deslumbraram, agora insípidas. Murmurava, atoleimada, sons incompreensíveis, como se buscando uma resposta, um caminho a seguir. Dentro de si a densidade da vida lhe oprimia. O mundo era o mesmo, o shopping era o mesmo, as vendedoras que tanto a mimavam eram as mesmas. Mas antes, suas mãos estavam fechadas, tudo era seguro e superficial. Ao abrir as mãos, a existência estendeu-se a seus pés, volumosa, imponente, e por isso mesmo assustadora. Saíra da casa dos pais direto para a casa do marido. Jamais colocara os pés na calçada do mundo. E agora que não sentia seus pés tocando superfície alguma, como se estivesse caindo e caindo e … Ler mais

O PAPEL DA ESPIRITUALIDADE E DA RELIGIOSIDADE NA REABILITAÇÃO EM DEFICIÊNCIAS FÍSICAS

O PAPEL DA ESPIRITUALIDADE E DA RELIGIOSIDADE NA REABILITAÇÃO EM DEFICIÊNCIAS FÍSICAS Marcelo Saad – Médico Fisiatra e Acupunturista, Doutor em Ciências da Reabilitação pela UNIFESP, membro fundador da Coalizão Inter-Fé em Saúde e Espiritualidade. www.msaad.org   Espiritualidade e Religiosidade: Enfrentamento e Transcendência Pacientes em processo de reabilitação muitas vezes estão em uma crise física, emocional e espiritual. As questões de dor, de luto pela perda de uma parte do corpo ou do nível de função, e questões sobre o valor da vida em uma nova circunstância difícil são situações comumente encontradas por pessoas neste cenário. Indivíduos com bem-estar espiritual tendem a enfrentar situações adversas com mais sucesso. As crenças espirituais são uma força estabilizadora para pessoas com deficiência e suas famílias. O enfrentamento religioso (“religious coping”) é o uso de crenças ou práticas religiosas para reduzir ou tornar mais suportável o sofrimento emocional causado por perdas ou por mudanças de vida. Crenças e práticas religiosas são utilizadas para regular a emoção em circunstâncias que estão fora do controle dos pacientes. O enfrentamento religioso afeta a reação da pessoa com os eventos estressantes trazendo significado, controle, conforto ou transcendência. A religião não impede o sofrimento causado pela doença, porém atribui significado a ele e traz elementos que ajudam na aceitação e na adaptação a uma nova condição física, emocional e social. A religião envolve instâncias profundas e emotivas do ser humano, e representa um fator poderoso que influencia a adaptação a doenças, decisões médicas, crenças de saúde e comportamentos. A estratégia de enfrentamento pode determinar qual impacto isto pode ter sobre a qualidade de vida. O uso de crenças espirituais pode ser ainda mais importante em doenças incapacitantes. A religião e a espiritualidade são importantes estratégias de enfrentamento para pessoas com deficiência. O sistema de crenças espirituais pode desempenhar um papel direto nos resultados em reabilitação. O bem-estar espiritual pode colaborar com ajustes às mudanças de vida e saúde emocional, com potencial para apoiar o processo de reabilitação. Ao contrário, o sofrimento espiritual pode interferir com a aderência ao tratamento e adaptação à deficiência. A religiosidade e espiritualidade podem ser fontes subutilizadas no processo reabilitacional e no seguimento da vida de pessoas com deficiências. Existem evidências sobre o papel positivo da espiritualidade e da religiosidade no processo de reabilitação e na vida das pessoas com deficiência. Facetas específicas do sistema de crenças religiosas e espirituais (como a conexão individual a um poder superior) desempenham papéis diretos e únicos no prognóstico de desfechos em reabilitação, como um preditor robusto de resultados. Visões de doença e incapacidade estão entrelaçadas com as crenças religiosas ou espirituais. Neste sentido, a religião pode trazer para o paciente uma estrutura para dar um sentido à sua doença, recursos práticos e esperança. A crença pode mobilizar recursos internos e iniciativas positivas, com potencial para melhorar a qualidade de vida, o que tem repercussões significativas sobre o processo reabilitacional. As emoções, crenças e ações associadas com a espiritualidade têm uma influência positiva sobre a saúde física e o bem-estar psicológico. Crenças espirituais podem ajudar na criação de um sentido de controle para a compreensão, o enfrentamento e a interpretação de eventos de vida. Para muitas famílias de crianças com deficiência, a espiritualidade e a religião desempenham um papel importante em suas vidas. Eles se voltaram para a sua espiritualidade e fé para encontrar significado e propósito na vida e se juntaram a comunidades religiosas como uma forma de compartilhar e desenvolver sua espiritualidade com os outros. Sistemas de crenças religiosas podem promover a aceitação e ajudar as famílias a dar sentido à deficiência. No entanto, os familiares podem experimentar a percepção de fracasso religioso ou punição por alguma má conduta. Nos cuidadores de pacientes com deficiências, há uma relação inversa entre bem-estar espiritual e sobrecarga do profissional. Os cuidadores também relatam o uso frequente de atitudes ou práticas como orar e ir à igreja. Isto apoia a espiritualidade do processo de cuidar e impacta nos resultados do cuidado. A comunidade religiosa pode fornecer apoio em diversas formas, como: proteção das pessoas contra o isolamento social; garantir e fortalecer redes familiares e sociais; fornecer ao indivíduo um sentido de auto-estima e de pertencer a algo; oferecer conforto espiritual em momentos de adversidade. Uma Nova Área para o Processo Reabilitacional A interface entre espiritualidade e deficiência é uma área de pesquisa relativamente nova, porém em crescimento. Finalmente, o último tabu está sendo quebrado, após debates em assuntos como sexualidade e abuso de substâncias entre portadores de deficiência. A espiritualidade é um elemento frequentemente esquecido na avaliação e nos e cuidados ao paciente. Abordar e apoiar a espiritualidade dos pacientes pode promover a saúde, diminuir a depressão, ajudar o paciente a lidar com uma doença difícil, e até mesmo melhorar alguns desfechos. A Medicina de Reabilitação, que foi pioneira na abordagem multidisciplinar centrada no paciente, é bem adequada para integrar a mente, o corpo e o espírito na assistência ao paciente. O primeiro passo seria uma ampla discussão sobre o sofrimento, que englobe não só os aspectos psicológicos e socioculturais envolvidos, como também os aspectos espirituais. Para o paciente incapacitado, o sofrimento espiritual pode ser o problema que mais demanda suporte, interferindo sobre o desfecho das intervenções. O sofrimento espiritual não identificado frequentemente é o culpado em um plano de reabilitação mal sucedido. Pacientes com deficiências instaladas na infância ou na fase adulta percebem e experimentam diferentemente a espiritualidade. Assim, abordagens diferentes de espiritualidade precisam ser empregadas para cada grupo. É o momento de expandir a filosofia da reabilitação e investigar intervenções além da cura do corpo para a cura do espírito. Deve-se sempre procurar a congruência entre as crenças do paciente e o cuidado oferecido pelo serviço de saúde. A instituição de reabilitação deve conhecer e proteger os valores culturais e as crenças do paciente, preparar os profissionais para respeitá-los e direcionar seus procedimentos considerando esta dimensão. A esclerose múltipla é uma doença complexa, sem causa conhecida, com sintomas invisíveis e variáveis, curso e tratamento indefinido. Diante de tantas incertezas as … Ler mais

Avonex Fica!

  A Portaria 44 de 19 de Outubro de 2017, revogou a Portaria 27, de 06 de Julho de 2016, que restringiu o uso da betainterferona intramuscular 1A 6.000.000 UI (30 mcg) no tratamento da esclerose múltipla do subtipo remitente recorrente no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS.   Com esta Portaria, o SECRETÁRIO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INSUMOS ESTRATÉGICOS – SUBSTITUTO, DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, no uso de suas atribuições legais, com base no art. 26 do Decreto n.º 7.646, de 21 de dezembro de 2011, à vista do que consta dos autos e pelas razões técnicas apresentadas pelo Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde, nota técnica n°. 002/2017, deferiu o recurso apresentado pela  Biogen Brasil Produtos Farmacêuticos Ltda,  contra a decisão que restringiu o uso da betainterferona intramuscular 1A 6.000.000 UI (30 mcg) no tratamento da esclerose múltipla do subtipo Remitente Recorrente no Sistema Único de Saúde – SUS.   Desta forma, o artigo 2º da Portaria 44/2017, revogou a portaria 27, logo, o AVONEX FICA e fica disponível para primeira linha, sem alterações.   Mais uma vitória para todos nós!