O dissenso da maconha: no Brasil, o debate ainda está acirrado
O dissenso da maconhaNo Brasil, o debate ainda está acirrado e não há consenso entre os defensores de opiniões pró e contra leis que regulamentem o uso da erva Legalizar, liberar, descriminalizar ou não a maconha não é uma questão simples. Há vários anos se discute a respeito da planta cannabis utilizada para fins medicinais, meramente “recreativos”, e o uso de seus princípios ativos como medicamento para males diversificados. Nos Estados Unidos e em outros países, a discussão já está adiantada e resultou na liberação tanto da erva para fins medicinais quanto de remédios de canabinoides. Um dos jornais mais influentes do mundo, o The New York Times, este ano chegou a assumir a posição de defesa do uso recreacional e medicinal da maconha. No Brasil, muito ainda se discute e muitos argumentos são apresentados, contra e a favor, por representantes de várias classes profissionais. No recente congresso da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), foi realizado um debate sobre a legalização da maconha que atraiu mais pessoas do que os organizadores esperavam. O assunto e a presença de conhecidos pesquisadores defensores e contrários ao uso da maconha fizeram com que as pessoas continuassem a entrar no auditório e se acomodassem nas escadas e pelo chão do local. Participaram da mesa de discussões o vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Emmanuel Fortes, o presidente da ABP, Antônio Geraldo da Silva, o coordenador da Comissão de Dependência Química da ABP, Ronaldo Laranjeira, o deputado federal Osmar Terra, o psiquiatra Valentim Gentil, Elisaldo Carlini e Marcos Susskind, da Organização Não Governamental (ONG) Jacs Brasil. Argumentos a favor Elisaldo Luiz de Araújo Carlini O professor doutor Elisaldo Luiz de Araújo Carlini, em outras ocasiões, tem deixado claro que não é a favor da legalização e do uso recreacional da maconha, mas a favor de sua descriminalização e de seu uso medicinal. Ele chamou a atenção ao perigo de se levar em consideração a ideologia e não somente os fatos, quando se defende ou se contraria o uso da maconha como remédio citando o artigo “Como a ideologia modula a evidência e a política sobre drogas: o que nós conhecemos sobre a maconha e o que nós deveríamos saber”, publicado em 2009 pela revista inglesa mais influente no campo da dependência química, a Addiction. Carlini ainda faz um levantamento que mostra um parâmetro de alternância de posicionamento sobre o uso da maconha em diversas instituições, brasileiras e internacionais, que regulam a prática médica. Como exemplo citou que, em 1980, o Jornal Brasileiro de Psiquiatria, em anúncio editorial, fez uma comparação que, na época, cinco dias de detenção por uso de maconha seria mais nocivo do que cinco anos de uso continuado da droga. Continuando com esse gancho, ele cita estudos mais recentes realizados nos Estados Unidos sobre a violência dentro da prisão e correlaciona com o número de jovens presos por porte de maconha no mesmo período. “De acordo com a Organização para o Estupro de Presos, 290 mil homens são vitimados todos os anos nos EUA, 192 mil vítimas de penetração, as vítimas são majoritariamente jovens, de pequena estatura, não violentos, primários e de classe média. 77 mil transgressores da lei por posse de maconha estavam na prisão. Imaginem o sofrimento de milhares desses jovens sofrendo a pressão da nossa lei.” Sobre esse assunto, ele pontua, em entrevista ao médico Drauzio Varella, que esses jovens presos, que muitas vezes não cometeram outro crime, ficam marcados por uma ficha criminal que os prejudica posteriormente a conseguir emprego. E ainda considera: “O importante não é punir um comportamento. É corrigi-lo. Para tanto, deve existir um programa eficiente de prevenção e de educação para que a pessoa evite consumir essa ou qualquer outra droga”. Para Carlini, a história demonstra que o uso da maconha medicinal era coisa séria: seu uso foi registrado pela primeira vez há cerca de cinco mil anos, por um imperador chinês, e no século IXX podia ser usada na medicina contra vários males, receitada pelos melhores médicos da época. Isso, segundo ele, e mais as dezenas de trabalhos, livros e estudos publicados ao longo do tempo que alegam os efeitos benéficos da maconha para as dores neuropáticas e miopáticas, não pode ser desconsiderado. “Esclerose múltipla, maconha para o uso médico nesses casos é reconhecido por Ministérios da Saúde de vários países. Em 2010, a ONU reconheceu o uso medicinal da maconha nos países que resolvem fazer uma agência medicinal da maconha e o que o país precisa fazer é que o Ministério da Saúde tenha uma postura de reconhecer e aceitar uma agência da cannabis medicinal que faça o controle da plantação, da coleta, da venda e da prescrição médica”, pontua o pesquisador. Contrariando outros pesquisadores, Carlini diz que não há evidências científicas suficientes da relação entre o uso da maconha e os sintomas positivos e negativos da esquizofrenia. Na entrevista a Drauzio Varella, ele ainda comenta que a questão da dependência pode ser subjetiva, já que há casos na história médica de dependência a cenoura, com relatos de crises de abstinência, assim como a placebo. E sobre o porquê de sua defesa à maconha medicinal, ele esclarece que não há medicamentos eficazes em 100% dos pacientes, e que mesmo a morfina pode não oferecer alívio para todos os quadros dolorosos, considerando assim não fazer sentido restringir seu uso na população que poderia beneficiar-se dela quando outras drogas não surtem efeito. Ele cita casos de paciente em tratamento quimioterápico contra o câncer que tem menos náuseas e vômitos, e de pessoas caquéticas por causa da aids e câncer que têm o apetite desperto por causa da maconha. Outro que tem lutado a favor da descriminalização da maconha é o ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso, hoje à frente da Comissão Global de Política sobre Drogas, que reúne também 22 ex-presidentes de outros países. Para ele, de acordo com artigos e entrevistas publicadas, o “proibicionismo fracassou em muitos níveis” e o modelo de repressão desperdiça recursos públicos com poucos resultados para a … Ler mais