Levantamento realizado em mais de 100 países apresenta aumento no número de diagnósticos, assim como de neurologistas e de tratamentos para os pacientes. No Brasil, 30 mil pessoas vivem com a doença Adriana Fidelis, 40 anos, demorou quase dois anos para descobrir por que, de tempos em tempos, perdia a visão de um olho. Depois de peregrinar por consultórios de diversos médicos, ela recebeu uma notícia que mudaria sua vida para sempre: tinha esclerose múltipla. Sem qualquer informação sobre a doença, descobriu ali que teria de lutar contra uma enfermidade neurodegenerativa e sem cura. Quase duas décadas depois, a hoje aposentada enfrenta os desafios impostos pela doença. “Fazia faculdade e trabalhava, mas, com a piora da minha saúde, tive que parar com tudo. Nesses 20 anos, tive pioras significativas e experimentei todos os tratamentos disponíveis. Apenas nos últimos cinco apresentei melhora”, conta. Adriana é uma das 2,3 milhões de pessoas que convivem com a doença no mundo. Dados do Atlas da EM 2013, elaborado pela Federação Internacional de Esclerose Múltipla, revelam que os pacientes têm, em média, 30 anos quando recebem o diagnóstico da doença. O levantamento é o mais recente estudo global sobre a enfermidade, consolidado a partir de informações coletadas em mais de 100 países. O mapa faz uma comparação do cenário da EM em diferentes regiões do mundo e inclui dados sobre epidemiologia, acesso a diagnóstico, acompanhamento clínico, informações sobre o uso de medicamentos e tratamentos, além de formação de neurologistas e dos recursos disponíveis para atender os pacientes. Quando comparado ao estudo anterior, publicado em 2008, houve aumento de 10% no total de pessoas diagnosticadas, mas a boa notícia é que, em todo o mundo, também registrou-se melhora na qualidade de vida dos pacientes. Por aqui, no entanto, os avanços registrados não foram tão impactantes. “Ainda estamos muito longe da situação ideal. O deficit de profissionais especializados, assim como o de equipamentos, é grande, principalmente no interior do país”, afirma a diretora superintende da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (Abem), Suely Berner. Segundo o Ministério da Saúde, no país, aproximadamente 30 mil pessoas convivem com a doença. Apesar de o cenário nacional ainda estar bem distante do ideal, em nível mundial, houve progressos. O aumento de 30% no número de neurologistas e de 50% no número de aparelhos de ressonância magnética — necessários para diagnóstico da EM e acompanhamento das lesões decorrentes da doença — foram os dois principais avanços. Especialistas suspeitam, inclusive, que isso tenha ligação com o crescimento do número de casos registrados, visto que, com mais recursos técnicos e humanos, fica mais fácil perceber precocemente os sinais da doença nos pacientes. Classificada no Brasil como doença rara, a esclerose múltipla ainda é pouco conhecida pela população. Apesar de receberem os medicamentos para tratar a patologia gratuitamente, por meio do Ministério da Saúde, os pacientes não contam com serviços multidisciplinares para atender às especificidades da doença. “Lidamos com uma patologia que pode acarretar muitas incapacitações em várias esferas. É preciso reabilitar com intenção de recuperar funções e evitar agravamentos. Para que isso seja possível é importante se unir o conhecimento e o olhar de vários profissionais para potencializar os ganhos e melhorar a qualidade de vida dos pacientes”, avalia a neurologista Liliana Russo. No DF, essa deficiência é claramente percebida. Sem plano de saúde, Mell Soares, 31 anos, sente na pele a falta de assistência especializada aos pacientes. Diagnosticada há cinco anos, desde que começou o tratamento no Hospital de Base, nunca teve acompanhamento de fisioterapeuta ou oftalmologista, por exemplo. “Tenho uma fraqueza grande na perna direita e, por conta disso, não aguento andar por muito tempo”, conta. Sem trabalhar desde que recebeu o diagnóstico, ela já usou quase todas as opções terapêuticas disponíveis para a doença: interferons, acetato de glatirâmer e natalizumabe. Este último, toma há quase um ano, mas não conseguiu controlar as crises da doença que, nos últimos 11 meses, foram três. “O Brasil é um país continental, com várias lacunas que precisam ser preenchidas na sua diversidade regional no que tange a desigualdades de distribuição de profissionais, metodologia diagnóstica, acessibilidade medicamentosa e equipes multidisciplinares”, observa Liliana Russo. Além dessas disparidades, a distribuição geográfica dos casos intriga os especialistas. De acordo com estudos de prevalência, Santa Maria (RS) tem média de 27 casos por 100 mil habitantes e é a cidade brasileira com maior incidência da doença, seguida por Belo Horizonte (18), Botucatu (17), Santos (15), São Paulo (15), Uberaba (12) e Recife (1,36) 2 a 8. A média nacional é de 18 ocorrências a cada 100 mil habitantes. A esclerose múltipla é uma doença autoimune, que ataca a mielina (proteína que reveste os neurônios e facilita a condução dos impulsos nervosos) e provoca inflamações no cérebro e na medula. Os sintomas podem variar a depender da região afetada e incluem visão dupla, dificuldade para andar, fadiga crônica, falta de coordenação motora, tremor no movimento, perda do equilíbrio, comprometimento da visão, da fala e do funcionamento, da memória e problemas no sistema urinário, entre outros. Essas manifestações neurológicas agudas e bem definidas são intercaladas com períodos de estabilidade Eles não acontecem o tempo todo, mas na forma de surtos, períodos de sintomas neurológicos agudos e bem definidos que se intercalam com períodos de estabilidade que podem ser acompanhados por sequelas. O diagnóstico da doença é basicamente clínico — feito a partir das obervações de um especialista sobre o quadro apresentado pelo paciente —, mas confirmado por meio de exames, como ressonância magnética e punção lombar. Com o tempo e a progressão do quadro, o desgaste promovido pela doença causa a degeneração dos tecidos do sistema nervoso. Como consequência, a atrofia cerebral, processo natural que acomete todas as pessoas ao longo da vida, é acelerada. Isso também ocorre com quem sofre de Alzheimer ou demência. A diferença é que os doentes de esclerose múltipla são, em sua maioria, jovens e, caso comecem a perder massa cerebral muito cedo, sofrerão a perda neural por um período muito mais prolongado. A doença é … Ler mais