Palavras – Blog do Chico
Era meu primeiro ano estudando no período matutino, eu tinha 11 anos e aquele seria um grande desafio, já que agora não teria apenas uma professora, mas sim, vários professores. Ano de 1978, o Colégio Novo Ateneu onde eu estudava, ficava no centro da cidade de Curitiba. No brasão do uniforme que usávamos, havia uma frase em latim que nunca esqueci: ‘’Mens sana in corpore sano’’ – ‘’Uma mente sã num corpo são’’ – é uma famosa citação latina, derivada da Sátira X do poeta romano Juvenal. A frase é parte da resposta do autor à questão sobre o que as pessoas deveriam desejar na vida, ou seja, um conjunto de corpo e mente. Na lista de materiais escolares daquele ano, havia um novo item: um dicionário. Lembro como se fosse hoje, a primeira aula do dia, às 7h30 da manhã, português. Lá estava eu, munido do meu dicionário acima da carteira. O professor entrou, todos se levantaram. Então ele disse com uma voz forte de barítono: – Bom dia, podem se sentar. Seu nome era Vicente, professor famoso, conhecido por ser muito disciplinador. Ele escreveu uma palavra no quadro negro e disse: – Abram seus dicionários, procurem a palavra e seu significado. Foi aquela correria! Página para lá, página para cá… Enfim, achei! Levantei a mão junto com mais alguns colegas, pois ele sempre escolhia um de nós para ler e assim, nos explicar sua origem, onde e como a palavra seria empregada. Todas as aulas eram assim. Um dia, ele disse uma palavra e se pôs ao meu lado. Eu era rápido e um dos primeiros a achar, mas fiquei nervoso com a presença dele e não conseguia localizar, alguém foi mais rápido. Foi quando olhei para ele e me desculpei. Ele se abaixou, tocando em meus ombros e disse: – Não tenha medo de mim e das palavras, estarei sempre ao seu lado ensinando. Além disso, essa palavra vai te levar a lugares que você nunca imaginou. – E me deu uma piscada. Poucos sabem, mas tenho uma mania: quando viajo para outros países, sempre compro um dicionário. Se não acho em português, compro no país que visito, em inglês. Quando a EM surgiu em minha vida, havia um desafio a ser superado o qual não imaginava. A Esclerose múltipla pode afetar o seu bem-estar físico, mas para alguns, as dificuldades cognitivas afetam a memória e a concentração. Podendo assim, serem tão desafiadoras quanto os sintomas físicos. Sentimentos de ansiedade, frustração e depressão podem ser esmagadores quando submetidos à alterações. Muitas vezes, podem exacerbar os sintomas físicos. Como senti muito no começo. Era uma batalha por dia, consegui entender depois de algum tempo que pessoas ou situações que não agregavam mais por um ou outro motivo, deveriam ser deixadas de lado para que eu pudesse seguir em frente, simples assim. Então, além do treino físico, treino minha mente para qualquer atividade. Mesmo assim, hoje em dia ainda tenho que superar algumas situações, porém, vida que segue. Em uma das viagens que fiz até a República Tcheca, a Nanny, minha amiga que é também minha agente de viagens, me disse: – Na volta, pare em Paris, pois ficará o mesmo preço. Como ela conhece tudo por lá, topei. Fiquei perto de uma catedral chamada Sacre Coeur e andei pela capital inteira, conhecendo seus pontos turísticos, academias de escalada, seu povo e costumes. Eu tinha um point para jantar, um pequeno bistrô perto da catedral. Seu dono chama-se Dominic, um autentico gaulês (parece o Asterix dos quadrinhos, rs). Ele ficou surpreso em ver um brasileiro sozinho por ali e quando me via chegando, já preparava a mesa alegremente dizendo: – Deixa comigo! Na mesa ao lado, percebi uma turma, alguém fez uma mímica que me fez rir muito. Uma moça me perguntou de onde eu era e lhe disse que era do Brasil. Me convidaram para sentar com eles e lá fui com os meus dicionários… Um Português-Francês e outro em inglês. E foi assim, com sinais, traduções e risadas. Eram pessoas da Itália, Inglaterra, Austrália e França. Amigos que estavam se encontrando, fizeram faculdade juntos e alguns até escalavam. Eles se divertiram com os dicionários. Nos despedimos e trocamos telefones, dando um até logo ao invés de um adeus. Naquela noite, andando de volta ao pequeno, mas simpático hotel de uma senhora Libanesa, lembrei do meu professor de Português que me ensinou a ter coragem com as palavras. Ele também sabia que estava me ensinando a ter coragem com as pessoas e com a vida. Querem saber a palavra que eu não encontrava naquele dia? VIAJANTE. GOOD VIBES