A Associação Multidisciplinar de Estudos sobre a Maconha Medicinal (AMEMM) iniciou um amplo trabalho de pesquisa para destacar a importância do CBD para a saúde pública
Desde dezembro, o uso de uma substância da maconha para fins terapêuticos foi finalmente autorizado pelo Conselho Federal de Medicina, e agora, o canabidiol (CBD) é um das substâncias a fazerem parte do tratamento contra doenças, como a epilepsia refratária, no Brasil. Contudo, a luta para ampliar o acesso à droga para fins medicinais ainda está no início, visto que a substância é solicitada apenas em último caso, tem um acesso restrito a pessoas com um alto poder aquisitivo, e passa por um longo processo burocrático antes de sua importação ser autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Por isso, a Associação Multidisciplinar de Estudos sobre a Maconha Medicinal (AMEMM) iniciou um amplo trabalho de pesquisa para destacar a importância do CBD para a saúde pública. A entidade tem apenas 12 associados no momento, com profissionais das áreas de medicina, farmácia, direito, sociologia e agronomia.
Ainda em processo de construção, a associação está desenvolvendo uma pesquisa que visa elaborar um mapa geral de portadores de deficiências que poderiam ser tratados com a substância derivada da cannabis sativa. “Atualmente, há uma média de 600 mil pessoas que sofrem da epilepsia refratária no Brasil. No entanto, o número de pessoas que tem conhecimento do uso terapêutico da maconha no tratamento da doença não chega a 1%”, explica o presidente da AMEMM, Sérgio Vidal.
No entanto, a epilepsia é apenas uma das anomalias que podem ser tratadas com CBD. “É preciso lembrar que a maconha possui 90 substâncias em sua composição que podem ser utilizadas no tratamento de doenças, mesmo o THC [substância que causa o efeito colateral alucinógeno], e além da epilepsia, doenças como a esclerose múltipla e o câncer também podem ser tratadas com os derivados da cannabis”, explica Vidal.
Outra causa colocada em pauta pelos membros da AMEMM diz respeito a acesso facilitado à medicação que ainda é muito restrito às pessoas que podem custear a importação. São necessárias seringas de 2,5 miligramas diários por quilo de peso do paciente até 25 miligramas, a depender do enfermo.
Mas, a única forma de adquirir o CBD é importando o remédio de outros países como a China e os Estados Unidos. Uma única seringa pode custar de US$ 200 a US$ 800 – fora as taxas da importação – e a demora para chegar leva aos necessitados a fazer o pedido em grande quantidade. Dessa forma, o acesso ao medicamento é restrito a quem pode arcar com o alto custo.
Embora a autorização da Anvisa tenha revelado uma nova posição do Brasil em relação ao uso da maconha para fins medicinais, Vidal está cauteloso sobre a questão. “Atualmente existem empresas interessadas em instalar-se no Brasil para produzir o medicamento. Observamos isso com atenção, pois nossa preocupação é com o acesso facilitado, enquanto que a decisão da Anvisa pode estar obedecendo a interesses da indústria farmacêutica. Não é isso que estamos propondo”, alertou.
Cultivo da planta em casa
Por isso, a associação luta para que os pequenos grupos formados por pacientes e parentes possam produzir o medicamento a baixo custo, e artesanalmente, na própria residência, com o cultivo da planta. E o primeiro passo será um trabalho educativo que tem como principal objetivo informar à população sobre os benefícios da cannabis. “Estamos elaborando um questionário que tem, como um dos objetivos de identificar o nível de conhecimento que os portadores de doenças como a epilepsia tem sobre o uso medicinal da maconha para o tratamento dessas doenças”, explica Vidal.
Com seus primeiros membros oriundos dos estados da Bahia e Sergipe, a associação não pretende ficar apenas no âmbito regional, mas deve crescer com calma. Vidal afirma que não está preocupado com o número de associados, no momento, mas sim em estabelecer uma imagem de referência para a entidade conseguir trabalhar suas pautas em defesa do uso medicinal da maconha, assim como ao fácil acesso da população aos medicamentos.
Debate médico é ampliado
Em dezembro de 2014, o Conselho Federal de Medicina autorizou o uso do canabidiol no tratamento de crianças e adolescentes que sejam resistentes aos tratamentos convencionais. A prescrição é restrita a neurologistas, neurocirurgiões e psiquiatras. Na Bahia, o uso terapêutico do CBD para os pacientes da epilepsia refratária – ou que sofram de convulsões sem apresentar melhoras no quadro clínico após o tratamento convencional –, já é amplamente aceita pelos médicos, segundo explicou a Dra. Rosa Garcia, médica psiquiátrica e conselheira do Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb/BA).
Pesquisas médicas também apontaram outros componentes da maconha como substâncias benéficas no tratamento de outras doenças como o câncer, a asma e a dor crônica. Contudo, a conselheira explica os estudos realizados ainda não são suficientes para comprovar a eficiência da cannabis durante o tratamento das doenças, e que, por isso, os médicos brasileiros continuam sem poder receitar a substância para esses fins.
Para receber a prescrição, o paciente necessita preencher os critérios de indicação e contraindicação para inclusão no uso compassivo. Os pacientes submetidos ao tratamento com o canabidiol deverão ser acompanhados, de acordo com relatórios enviados pelos médicos prescritores e devem ser informados sobre os riscos e benefícios potenciais, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).