Nasci no dia das mães. Disseram que era uma noite muita fria. Foi no dia 14 de maio de 1967, na cidade de Curitiba. Há exatos 50 anos. Mesmo nascendo em Curitiba, fui registrado na cidade de São Paulo, ou seja, tenho dupla cidadania, é uma brincadeira que falo quando conto essa história, meus pais e minha irmã com sua família vivem lá até hoje, eu que resolvi ficar na estrada entre essas duas cidades que aprendi a viver, gostar e amar. Cada uma com suas histórias, cada uma com seus momentos, mas incrivelmente interligadas na minha vida.
Existe uma rodovia muito famosa que liga essas duas cidades, a BR 116. E desde meu nascimento fui vendo as coisas acontecendo por essa estrada. Era uma constante vir a São Paulo visitar nossa família, pois estávamos apenas nós lá, então feriados ou datas festivas estávamos indo a São Paulo ou vice versa. Então eu tinha esses dois mundos em meu pequeno mundo quando criança, depois adolescência. Sempre me lembro de alguns pontos fixos, uma casa, uma montanha, um rio, ou até mesmo as cidades que estão no meio do caminho. Quando criança na época de natal eu tinha um acordo com meus pais de distribuir meus brinquedos e roupas que já não mais me serviam, mas todos em bom estado e quase novos para as crianças que viviam em casas bem modestas que ficavam próximos à estrada. Na ida entregava pessoalmente as crianças era muito bom fazer isso e quando retornávamos quando não foi minha alegria um dia vê-las usando as roupas que doei e brincando com os brinquedos, eu pulava de alegria dentro do carro. Existe um ponto que sempre me chamava muita atenção e olho até hoje. São algumas formações rochosas que parecem uma pessoa deitada, meu pai sempre me dizia desde pequeno que era um gigante dormindo e ele está lá até hoje dormindo.
E assim por anos fui vendo a estrada como um sinal dos tempos na minha vida. De ônibus sozinho a primeira vez, indo de avião quando a rota passava por cima dela, muitas vezes procurava e encontrava-a lá embaixo com suas curvas e retas. Mas é quando eu vou de carro e que vejo como o tempo pode nos dar as respostas que procuramos ou sentimos. Perdi as contas de quantas vezes fui e voltei. Algumas vezes acompanhado, mas em muitas outras sozinho, às vezes a noite, outras de dia, às vezes com mais pressa de chegar outras nem tanto. E fui vendo suas transformações. Alguns pontos de referência tinham mudado ou acabado, alguns novos surgiram no lugar ou novos locais viraram novas referências. Quando comecei a dirigir por ela, a estrada não era muito duplicada o que requeria muita atenção, mas com o passar das décadas vi a sua evolução, hoje existe apenas um pequeno trecho para estar pronta e mais segura para viajar. E nesses anos todos sempre vi placas de sinalização dizendo, “EM OBRAS”, cuidado. Vi acidentes ajudei pessoas, mas também tive muitas histórias legais.
E daí que faço a comparação nesse meio século da minha vida. No começo de nossa viagem sempre estamos acompanhados e tudo o que vemos sempre nos dá bons motivos para seguir em frente, tudo é novidade. Com o passar do tempo começamos a ter pressa em chegar ao fim da viagem para aproveitar o máximo o que está para ainda acontecer, não nos preocupando com os detalhes, pois alguns nos parecem ser iguais, parecem repetitivos, mas engana-se quem pensa assim, somos jovens nesse período e queremos apenas mais e mais. E com o tempo, vamos com mais calma, com mais cuidado, pois sabemos que vamos chegar ao destino final. Mas sabemos nesse período alguns atalhos que levamos o mesmo tempo para chegar.
Lembro bem da minha primeira viagem depois do diagnóstico da EM. Foi uma viagem solitária, parei nos lugares que eu mais gostava, observei tudo a minha volta, as pessoas, os carros e caminhões que cruzavam meu caminho. Cada detalhe. Vi o gigante ainda deitado, mas com a sensação de estar me olhando e dizendo:- que bom que voltou. Emocionei-me quando cheguei ao meu destino, à cidade aonde nasci, pois tinha conseguido vencer o preconceito e a barreira que havia sido imposta pelas dificuldades que me contaram que existiriam, parti e ignorei isso, fui em frente, sabia que conseguiria. A minha vida então como a estrada que me guiou até hoje se duplicou com meu passado e o futuro que está por vir. Esse ano quem pegou a estrada e veio comemorar meu aniversário em São Paulo foi minha mãe. Ela quem me carregou no colo em minha primeira viagem. E assim comemoramos esse meio século de viagens, de idas e vindas, aproveitando os momentos em que o tempo se detém para dizer, boa viagem, volte logo, até breve, saudades, cheguei. Uma jornada para sempre. GOOD VIBES.