A mudança de Casa

Quando mudamos de casa, também as ideias se mudaram e transformaram-se. O lar se foi.

Há uma enxurrada de lembranças, um acúmulo desnecessário de papéis, pela profissão que nos sustentou, a docência.

Uma dorzinha de saudade pelo que lá foi vivido.

Uma casa grande, igual coração de mãe, muitos móveis, muitos livros, muitas roupas.

Um nostálgico pensamento de uma brincadeira de quintal, escorregar em água ensaboada pelo chão, as árvores frutíferas e ornamentais; os animais de estimação: o sapo, o pintinho, o preá, os cachorros.

Quanta saudade, que não cabe no texto.

As comidas que “inventamos” : os suspiros e bolachas, pães, macarrão, tudo era uma aventura naquela cozinha-copa, que saudade do cheiro das nossas experiências culinárias

E daí, onde a gente fazia lição, na sala de jantar.

E o medo infantil de subir ao andar superior, receio de encontrar um bicho-papão.

À sombra da árvore na frente de casa, o chilrear dos bem-te-vis. As crianças esperando o transporte da escola…

Lá se foram anos, a vida foi indo, como trem, arrastando o coração, num viaduto escuro, e nos mudamos…

Foi preciso, a casa já não cabia em nossas vidas, quando nossas vidas sempre couberam naquela casa.

Que tristeza abandoná-la, mas não pareceu bem desse modo.

Não houve abandono, conversamos e escolhemos apenas partimos um de cada vez, multiplicando casas e famílias.

Novos lares se formaram, e a casa antiga ficou lá, como coração de mãe ao ver os rebentos partirem.

Para presentear, um ninho de sabias na árvore, um novo lar que foi formado.

 

“Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras e os enfeites brincam de trocar de lugar. Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha. Sofá sem mancha? Tapete sem fio puxado? Mesa sem marca de copo? Tá na cara que é casa sem festa. E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.”

CARLOS. DRUMMOND DE ANDRADE